06/01/2025
SER ANTIRRACISTA
Como a ideologia de supremacia branca moldou a sociedade e até a geografia do Brasil.
A ideia de que pessoas brancas têm mais valor que pessoas não-brancas está presente no país desde o começo da escravidão. Uma das lições propagadas por muitos intelectuais e ativistas a esse respeito é que a desigualdade racial e o preconceito são problema e responsabilidade de todos, não apenas da população negra. Pessoas brancas se sentiram compelidas a indagar, talvez pela primeira vez na vida: “Como posso ser antirracista? Qual é o meu papel nisso tudo?”
BRANQUITUDE E ANTIRRACISMO: ENTENDER PARA DESVENDAR PRIVILÉGIOS
A professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina Lia Vainer Schucman, que estuda a branquitude brasileira há quase duas décadas, afirma: “Se tem um país que é supremacista branco é o Brasil”.
Diz mais Lia Vainer Schucman – "A branquitude se constrói aqui via fenótipo, não via origem. Ou seja, não importa que minha origem seja árabe ou até indígena — se eu tiver um fenótipo branco, pele clara, determinados traços e cabelo, sou considerado branco. Temos uma branquitude que se constitui a partir das classificações raciais, e essas classificações se constituem a partir do fenótipo".
"SOLVENTE ÉTNICO"
"Aqui, os judeus, que já foram meu tema de pesquisa, são considerados brancos. Muitos dos descendentes de árabes também. No Brasil, a branquitude é como um solvente étnico. Ou seja, uma série de identidades que não seriam brancas em nenhum lugar, porque não são descendem de europeus, o são aqui, porque o racismo daqui é anti-negros e indígenas." Prossegue a professora.
IDEOLOGIA DO EMBRANQUECIMENTO
Hoje, é uma ideologia, mas já foi uma política. Após a abolição da escravatura nós tínhamos no Brasil, 4,75 milhões de descendentes de africanos e 750 mil descendentes de portugueses. Com essa proporção, o racismo científico à brasileira viu que não nos tornaríamos um país geneticamente branco, mas procurou embranquecer fenotipicamente o Brasil
A POLÍTICA DE MISTURAR PARA "PURIFICAR"?
A política de embranquecimento no Brasil teve apoio de vários setores da sociedade, como a intelectualidade, o Estado e a ideologia do racismo científico. Entre seus defensores destacaram-se principalmente os médicos como Sílvio Romero em Pernambuco, Nina Rodrigues na Bahia e João Francisco Lacerda no Rio de Janeiro, além do sociólogo Francisco José de Oliveira Viana, autor do livro clássico "Populações Meridionais do Brasil", publicado em 1918. As chamadas teorias científicas do branqueamento, propunham como solução para o problema misturar a população negra com a branca, incluindo os imigrantes europeus, geração por geração, até mudar o perfil “racial” do país, de negro a branco. Se acreditava que os brancos eram superiores geneticamente.
ENQUANTO OS BRANCOS ENRIQUECEM... OS NEGROS FICAM MAIS POBRES
No Brasil, o discurso do trabalho está muito associado à ideia de democracia racial. Mas se voltarmos ao pós-abolição, para quem foram construídos os postos de trabalho? Para os imigrantes, para as pessoas brancas. E onde ficaram as pessoas negras? Trabalhando para as pessoas brancas, para que elas pudessem ocupar esses postos. Isso se repete até hoje. O trabalho da população branca enriqueceu a ela própria, enquanto o trabalho da população negra possibilitou o enriquecimento do branco. Temos uma população [negra] que está há 16 gerações trabalhando mas não consegue fazer o principal para criar oportunidades: transferência de riqueza herdada entre gerações. Porque seu trabalho nunca enriquece o próprio grupo.
QUANDO OS BRANCOS SE EXIMEM DA RESPONSABILIDADE
De onde veio a ideia de que racismo é um problema da população negra, vítima dessa estrutura, e não de seus mantenedores?
Responde a professora Lia Vainer: "Os brancos acreditam que isso não é responsabilidade deles porque a herança do chicote não tem sido colocada na mão dos brancos. A gente pensa a herança da escravidão apenas para a população negra. Associa-se rapidamente o fato de que a maioria dos moradores de rua são negros à herança da escravidão. Quando se fala que a pobreza é negra no brasil, aponta-se a herança da escravidão. E o pulo seguinte? De onde veio a riqueza dos brancos?"
E POR FIM
"Os meus olhos coloridos
Me fazem refletir...
Você ri do meu cabelo
Você ri da minha pele... A verdade é que você..."